quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Invictus (?)

Parece um absurdo o que vou dizer aqui, mas grande parte da população brasileira acha que a África não é um continente e sim um país. Poucos são aqueles que sabem que a África possui 53 países. Dentre estes países está a África do Sul, que sediará a Copa do Mundo de Futebol deste ano, e, diga-se de passagem, apesar de ser considerado “o berço da humanidade” é a primeira vez que um país africano sediará um evento de tamanha repercussão mundial.
Aprendemos na escola, ou pelo menos deveríamos ter aprendido, que na África do Sul o sistema do apartheid era legitimado politicamente. De 1948 a 1993/1994, a estrutura política e social desse país era desenhada tendo como pano de fundo esse sistema de discriminação racial que manteve o domínio da minoria branca nos campos político, econômico e social.
O apartheid entra em colapso com a vitória de Nelson Rolihlahla Mandela, primeiro presidente sul-africano negro, eleito em 1994. É justamente esse episódio que legitimará o início da mudança do status quo de segregação racial no país. O espírito de governança multirracial desse presidente ímpar na histórica política da África da Sul é traduzido brilhantemente através da sétima arte com da interpretação de Morgan Freeman no filme Invictus, produção norte-americana de 2009, do diretor Clint Eastwood.
Contrariando a maioria negra que o elegeu, Mandela, começa a fortalecer a seleção de hugby da África do Sul, que não tinha a maioria dos negros como seus torcedores. Esta, pelo contrário, sempre que existia algum campeonato deste esporte torcia pelo time da Inglaterra. A maioria negra do país não se via representada pela equipe de jogadores, composta quase que totalmente por brancos, com exceção do jogador Chester, o qual tinha a admiração das crianças das favelas sul-africanas.
A negação em torcer pelo próprio país travestia-se na própria negação da representatividade política que os governava até a chegada de Mandela ao poder, ou seja, uma elite branca. Nas partidas de rugby percebia-se claramente a espoliação da “nação” sul-africana. Fica claro no roteiro do filme, que assim como na economia, na sociedade e na cultura; brancos e negros não dialogavam entre si a não ser em relações cotidianas ligadas ao mundo do trabalho, pois como ocorre nas telenovelas brasileiras, os empregados domésticos sempre são negros.
Qualquer projeto de nação requer uma idéia de unidade em meio às diferenças. Mas o que percebíamos na África do Sul retratada no filme de Eastwood era uma unidade em meio a amplas desigualdades. A idéia então foi “subverter” ou dar uma nova roupagem a lógica da administração estatal que predominara até então. Embora preocupado com mudanças sociais e econômicas, o que fica claro ao (re)estabelecer relações diplomáticas com Taiwan, Japão e Estados Unidos, o presidente buscou solidificar, ou dar um primeiro passo em direção a uma maior possibilidade de diálogo entre brancos e negros através do esporte.
Mas como estará a África do Sul atualmente? Afinal, o filme retratou um episódio de 15 anos atrás. Aproveite as múltiplas possibilidades oferecidas por esse ciberespaço para pesquisar um pouco mais sobre esse país. Você que mora na Cidade do Rio de Janeiro, não se surpreendera com algumas informações, principalmente em relação à criminalidade e as estratégias criadas pela elite para se proteger das mazelas sociais.
Vale também destacar movimento grevista, ocorrido em julho de 2009, no qual operários que trabalhavam na construção civil dos estádios esportivos para a Copa do Mundo deste ano paralisaram suas atividades em busca de melhores salários. Tal movimento grevista foi tão tenso e articulado que a FIFA até cogitou até a hipótese do campeonato não ocorrer na África do Sul.
Em meio a várias dificuldades para a instalação de infra-estrutura, parece que a África do Sul conseguiu de fato mais uma vitória e a Copa do Mundo de futebol de 2010 sem sombra de dúvidas ocorrerá em algumas de suas cidades. E caso não possa viajar até lá para assistir pessoalmente aos jogos, espere mais quatro anos, pois em 2014 também estaremos sediando o mesmo evento. Em 2016 o Rio de Janeiro também será a Cidade Olímpica.
É... Sem sombra de dúvidas o esporte foi capturado como uma das principais estratégias de city marketing, que vem sendo utilizada por diferentes cidades do mundo para mostrar a outros pontos do planeta uma realidade local/nacional que na maioria das vezes não percebemos em nosso cotidiano.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Hanami- Cerejeiras em Flor


Quanto tempo ainda tenho de vida?
Quanto tempo gasto no trabalho?
Quanto tempo dedico a minha família?
Que tempo tenho para mim?
Tempo, tempo, tempo. Essa palavra simples, cheia de significados e interpretações me pareceu central para uma reflexão acerca do filme Hanami - Cerejeiras em Flor (Kirschblüten – Hanami, no original), produção franco-alemã, de 2008, dirigida por de Doris Dörrie.
Fui sozinho assistir ao filme em uma sessão de 00:00 de sábado, no Unibanco Artiplex. A sala estava quase vazia. Comigo, contei mais uns seis espectadores. O filme começa. Em algumas cenas ouço pessoas fungando como se estivessem chorando. Eu não chorei. O filme acaba. Saí do cinema pensando o quanto estou insensível. Me questionando o quanto não tomo determinadas atitudes no tempo em que elas deveriam ser tomadas, e, que depois, não poderei mais tomar, seja pela idade, pelas cobranças do trabalho, por outros compromissos da vida adulta ou mesmo por um desinteresse pelas coisas mais simples do meu dia-a-dia.
No filme ficou claro para mim o que alguns teóricos querem dizer com a afirmação de que somos seres espaço-temporais. Nos comportamos de acordo com o espaço que estamos inseridos e em uma fração de tempo preciso. Exercemos cada uma de nossas funções cotidianas em um tempo e um espaço específicos, ou seja, sou professor na escola que dou aula, cliente do banco que tenho conta. Também sou filho, sou irmão, sou primo, sou amigo etc. Mas como conviver com tantos papéis a desempenhar ao longo de diferentes tempos e em diferentes espaços? Em qual desses consigo atuar melhor ou pior? Assim como eu, percebi que os diferentes personagens do filme parecem não saber muito bem como lidar com os conflitos que essa superposição de papéis descortina em determinados momentos de nossa existência.
Os questionamentos que afloram nos personagens têm como base suas relações familiares, sendo um ponto central no filme para qual converge os seus dilemas pessoais. Os conflitos e as reconciliações (mesmo que tardias) entre parentes nos mostram quanto não estamos preparados para determinadas surpresas da vida e como agimos diferente dos outros em determinadas situações.
Por vezes queremos é voltar no tempo e fazer as coisas de outra forma. Mas, às vezes, parece que é tarde demais e o que nos resta é nos confortar com uma constante busca em sublimar esse vazio através de determinadas atitudes, que, para nós, podem contribuir para diminuir a lacuna deixada por um sentimento de omissão em relação ao outro, que pode ser um amigo, alguém da família, um vizinho etc.
Também me chamou atenção o esforço do diretor em retratar a psicosfera em duas grandes metrópoles de uma forma complexa. Um paralelo pode ser feito entre as cidades de Berlim e Tóquio. Não foi deixando de apontar imagens clichês desses espaços através de alegorias como grandes aranhas-céu cercados de fluxos de pessoas, de veículos. Mas em meio a esse “tempo rápido” constantemente experimentado pelos cidadãos das metrópoles, não foi negligenciada a necessidade destes também experimentarem outra experiência de tempo: o “tempo lento”.
Desfrutar, embora cada vez menos, de um “tempo lento”, nos traz sensações e questionamentos ímpares, os quais, podem às vezes nos fugir em meio a constante necessidade de sobrevivência em tempos que exigem de nós cada vez mais rapidez e praticidade. Experimentar viver esses simultaneamente esses tempos distintos coloca-nos diante de nossos medos e angústias mais íntimos e profundos, levando-nos a uma sensação de perdas de referenciais e de estarmos ora em lugares ora em não-lugares.
Em uma sociedade tecnocientífica, na qual podemos nos conectar a pessoas e espaços longínquos através da Internet, o sentimento de desconhecimento com alguém que antes nos parecia tão familiar e próximo aflora, ao ponto de nos questionarmos acerca de pessoas que nos eram íntimas e ao perdermos o contato direto, começarmos a duvidar se realmente não “congelamos” uma determinada identidade dessa pessoa em nossas mentes e se já não é tempo de parar de misturar as “lembranças que temos de alguém”, as “representações desse alguém” e “como esse alguém realmente é de fato”.
Afinal, como dizia Cazuza “o tempo não pára” e esse movimento nos possibilita um exercício diário de renovação em nossas atitudes e lembranças, motivando a des-re-construção de sentimentos relacionados a determinadas relações em família, de amizade, de trabalho. Sentimentos que começaram a ser esculpidos no passado, talvez estejam cristalizados no presente, mas que podem ganhar novos formatos no futuro e nos surpreender assim como as cerejeiras em flor.