sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Hanami- Cerejeiras em Flor


Quanto tempo ainda tenho de vida?
Quanto tempo gasto no trabalho?
Quanto tempo dedico a minha família?
Que tempo tenho para mim?
Tempo, tempo, tempo. Essa palavra simples, cheia de significados e interpretações me pareceu central para uma reflexão acerca do filme Hanami - Cerejeiras em Flor (Kirschblüten – Hanami, no original), produção franco-alemã, de 2008, dirigida por de Doris Dörrie.
Fui sozinho assistir ao filme em uma sessão de 00:00 de sábado, no Unibanco Artiplex. A sala estava quase vazia. Comigo, contei mais uns seis espectadores. O filme começa. Em algumas cenas ouço pessoas fungando como se estivessem chorando. Eu não chorei. O filme acaba. Saí do cinema pensando o quanto estou insensível. Me questionando o quanto não tomo determinadas atitudes no tempo em que elas deveriam ser tomadas, e, que depois, não poderei mais tomar, seja pela idade, pelas cobranças do trabalho, por outros compromissos da vida adulta ou mesmo por um desinteresse pelas coisas mais simples do meu dia-a-dia.
No filme ficou claro para mim o que alguns teóricos querem dizer com a afirmação de que somos seres espaço-temporais. Nos comportamos de acordo com o espaço que estamos inseridos e em uma fração de tempo preciso. Exercemos cada uma de nossas funções cotidianas em um tempo e um espaço específicos, ou seja, sou professor na escola que dou aula, cliente do banco que tenho conta. Também sou filho, sou irmão, sou primo, sou amigo etc. Mas como conviver com tantos papéis a desempenhar ao longo de diferentes tempos e em diferentes espaços? Em qual desses consigo atuar melhor ou pior? Assim como eu, percebi que os diferentes personagens do filme parecem não saber muito bem como lidar com os conflitos que essa superposição de papéis descortina em determinados momentos de nossa existência.
Os questionamentos que afloram nos personagens têm como base suas relações familiares, sendo um ponto central no filme para qual converge os seus dilemas pessoais. Os conflitos e as reconciliações (mesmo que tardias) entre parentes nos mostram quanto não estamos preparados para determinadas surpresas da vida e como agimos diferente dos outros em determinadas situações.
Por vezes queremos é voltar no tempo e fazer as coisas de outra forma. Mas, às vezes, parece que é tarde demais e o que nos resta é nos confortar com uma constante busca em sublimar esse vazio através de determinadas atitudes, que, para nós, podem contribuir para diminuir a lacuna deixada por um sentimento de omissão em relação ao outro, que pode ser um amigo, alguém da família, um vizinho etc.
Também me chamou atenção o esforço do diretor em retratar a psicosfera em duas grandes metrópoles de uma forma complexa. Um paralelo pode ser feito entre as cidades de Berlim e Tóquio. Não foi deixando de apontar imagens clichês desses espaços através de alegorias como grandes aranhas-céu cercados de fluxos de pessoas, de veículos. Mas em meio a esse “tempo rápido” constantemente experimentado pelos cidadãos das metrópoles, não foi negligenciada a necessidade destes também experimentarem outra experiência de tempo: o “tempo lento”.
Desfrutar, embora cada vez menos, de um “tempo lento”, nos traz sensações e questionamentos ímpares, os quais, podem às vezes nos fugir em meio a constante necessidade de sobrevivência em tempos que exigem de nós cada vez mais rapidez e praticidade. Experimentar viver esses simultaneamente esses tempos distintos coloca-nos diante de nossos medos e angústias mais íntimos e profundos, levando-nos a uma sensação de perdas de referenciais e de estarmos ora em lugares ora em não-lugares.
Em uma sociedade tecnocientífica, na qual podemos nos conectar a pessoas e espaços longínquos através da Internet, o sentimento de desconhecimento com alguém que antes nos parecia tão familiar e próximo aflora, ao ponto de nos questionarmos acerca de pessoas que nos eram íntimas e ao perdermos o contato direto, começarmos a duvidar se realmente não “congelamos” uma determinada identidade dessa pessoa em nossas mentes e se já não é tempo de parar de misturar as “lembranças que temos de alguém”, as “representações desse alguém” e “como esse alguém realmente é de fato”.
Afinal, como dizia Cazuza “o tempo não pára” e esse movimento nos possibilita um exercício diário de renovação em nossas atitudes e lembranças, motivando a des-re-construção de sentimentos relacionados a determinadas relações em família, de amizade, de trabalho. Sentimentos que começaram a ser esculpidos no passado, talvez estejam cristalizados no presente, mas que podem ganhar novos formatos no futuro e nos surpreender assim como as cerejeiras em flor.