quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Invictus (?)

Parece um absurdo o que vou dizer aqui, mas grande parte da população brasileira acha que a África não é um continente e sim um país. Poucos são aqueles que sabem que a África possui 53 países. Dentre estes países está a África do Sul, que sediará a Copa do Mundo de Futebol deste ano, e, diga-se de passagem, apesar de ser considerado “o berço da humanidade” é a primeira vez que um país africano sediará um evento de tamanha repercussão mundial.
Aprendemos na escola, ou pelo menos deveríamos ter aprendido, que na África do Sul o sistema do apartheid era legitimado politicamente. De 1948 a 1993/1994, a estrutura política e social desse país era desenhada tendo como pano de fundo esse sistema de discriminação racial que manteve o domínio da minoria branca nos campos político, econômico e social.
O apartheid entra em colapso com a vitória de Nelson Rolihlahla Mandela, primeiro presidente sul-africano negro, eleito em 1994. É justamente esse episódio que legitimará o início da mudança do status quo de segregação racial no país. O espírito de governança multirracial desse presidente ímpar na histórica política da África da Sul é traduzido brilhantemente através da sétima arte com da interpretação de Morgan Freeman no filme Invictus, produção norte-americana de 2009, do diretor Clint Eastwood.
Contrariando a maioria negra que o elegeu, Mandela, começa a fortalecer a seleção de hugby da África do Sul, que não tinha a maioria dos negros como seus torcedores. Esta, pelo contrário, sempre que existia algum campeonato deste esporte torcia pelo time da Inglaterra. A maioria negra do país não se via representada pela equipe de jogadores, composta quase que totalmente por brancos, com exceção do jogador Chester, o qual tinha a admiração das crianças das favelas sul-africanas.
A negação em torcer pelo próprio país travestia-se na própria negação da representatividade política que os governava até a chegada de Mandela ao poder, ou seja, uma elite branca. Nas partidas de rugby percebia-se claramente a espoliação da “nação” sul-africana. Fica claro no roteiro do filme, que assim como na economia, na sociedade e na cultura; brancos e negros não dialogavam entre si a não ser em relações cotidianas ligadas ao mundo do trabalho, pois como ocorre nas telenovelas brasileiras, os empregados domésticos sempre são negros.
Qualquer projeto de nação requer uma idéia de unidade em meio às diferenças. Mas o que percebíamos na África do Sul retratada no filme de Eastwood era uma unidade em meio a amplas desigualdades. A idéia então foi “subverter” ou dar uma nova roupagem a lógica da administração estatal que predominara até então. Embora preocupado com mudanças sociais e econômicas, o que fica claro ao (re)estabelecer relações diplomáticas com Taiwan, Japão e Estados Unidos, o presidente buscou solidificar, ou dar um primeiro passo em direção a uma maior possibilidade de diálogo entre brancos e negros através do esporte.
Mas como estará a África do Sul atualmente? Afinal, o filme retratou um episódio de 15 anos atrás. Aproveite as múltiplas possibilidades oferecidas por esse ciberespaço para pesquisar um pouco mais sobre esse país. Você que mora na Cidade do Rio de Janeiro, não se surpreendera com algumas informações, principalmente em relação à criminalidade e as estratégias criadas pela elite para se proteger das mazelas sociais.
Vale também destacar movimento grevista, ocorrido em julho de 2009, no qual operários que trabalhavam na construção civil dos estádios esportivos para a Copa do Mundo deste ano paralisaram suas atividades em busca de melhores salários. Tal movimento grevista foi tão tenso e articulado que a FIFA até cogitou até a hipótese do campeonato não ocorrer na África do Sul.
Em meio a várias dificuldades para a instalação de infra-estrutura, parece que a África do Sul conseguiu de fato mais uma vitória e a Copa do Mundo de futebol de 2010 sem sombra de dúvidas ocorrerá em algumas de suas cidades. E caso não possa viajar até lá para assistir pessoalmente aos jogos, espere mais quatro anos, pois em 2014 também estaremos sediando o mesmo evento. Em 2016 o Rio de Janeiro também será a Cidade Olímpica.
É... Sem sombra de dúvidas o esporte foi capturado como uma das principais estratégias de city marketing, que vem sendo utilizada por diferentes cidades do mundo para mostrar a outros pontos do planeta uma realidade local/nacional que na maioria das vezes não percebemos em nosso cotidiano.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Hanami- Cerejeiras em Flor


Quanto tempo ainda tenho de vida?
Quanto tempo gasto no trabalho?
Quanto tempo dedico a minha família?
Que tempo tenho para mim?
Tempo, tempo, tempo. Essa palavra simples, cheia de significados e interpretações me pareceu central para uma reflexão acerca do filme Hanami - Cerejeiras em Flor (Kirschblüten – Hanami, no original), produção franco-alemã, de 2008, dirigida por de Doris Dörrie.
Fui sozinho assistir ao filme em uma sessão de 00:00 de sábado, no Unibanco Artiplex. A sala estava quase vazia. Comigo, contei mais uns seis espectadores. O filme começa. Em algumas cenas ouço pessoas fungando como se estivessem chorando. Eu não chorei. O filme acaba. Saí do cinema pensando o quanto estou insensível. Me questionando o quanto não tomo determinadas atitudes no tempo em que elas deveriam ser tomadas, e, que depois, não poderei mais tomar, seja pela idade, pelas cobranças do trabalho, por outros compromissos da vida adulta ou mesmo por um desinteresse pelas coisas mais simples do meu dia-a-dia.
No filme ficou claro para mim o que alguns teóricos querem dizer com a afirmação de que somos seres espaço-temporais. Nos comportamos de acordo com o espaço que estamos inseridos e em uma fração de tempo preciso. Exercemos cada uma de nossas funções cotidianas em um tempo e um espaço específicos, ou seja, sou professor na escola que dou aula, cliente do banco que tenho conta. Também sou filho, sou irmão, sou primo, sou amigo etc. Mas como conviver com tantos papéis a desempenhar ao longo de diferentes tempos e em diferentes espaços? Em qual desses consigo atuar melhor ou pior? Assim como eu, percebi que os diferentes personagens do filme parecem não saber muito bem como lidar com os conflitos que essa superposição de papéis descortina em determinados momentos de nossa existência.
Os questionamentos que afloram nos personagens têm como base suas relações familiares, sendo um ponto central no filme para qual converge os seus dilemas pessoais. Os conflitos e as reconciliações (mesmo que tardias) entre parentes nos mostram quanto não estamos preparados para determinadas surpresas da vida e como agimos diferente dos outros em determinadas situações.
Por vezes queremos é voltar no tempo e fazer as coisas de outra forma. Mas, às vezes, parece que é tarde demais e o que nos resta é nos confortar com uma constante busca em sublimar esse vazio através de determinadas atitudes, que, para nós, podem contribuir para diminuir a lacuna deixada por um sentimento de omissão em relação ao outro, que pode ser um amigo, alguém da família, um vizinho etc.
Também me chamou atenção o esforço do diretor em retratar a psicosfera em duas grandes metrópoles de uma forma complexa. Um paralelo pode ser feito entre as cidades de Berlim e Tóquio. Não foi deixando de apontar imagens clichês desses espaços através de alegorias como grandes aranhas-céu cercados de fluxos de pessoas, de veículos. Mas em meio a esse “tempo rápido” constantemente experimentado pelos cidadãos das metrópoles, não foi negligenciada a necessidade destes também experimentarem outra experiência de tempo: o “tempo lento”.
Desfrutar, embora cada vez menos, de um “tempo lento”, nos traz sensações e questionamentos ímpares, os quais, podem às vezes nos fugir em meio a constante necessidade de sobrevivência em tempos que exigem de nós cada vez mais rapidez e praticidade. Experimentar viver esses simultaneamente esses tempos distintos coloca-nos diante de nossos medos e angústias mais íntimos e profundos, levando-nos a uma sensação de perdas de referenciais e de estarmos ora em lugares ora em não-lugares.
Em uma sociedade tecnocientífica, na qual podemos nos conectar a pessoas e espaços longínquos através da Internet, o sentimento de desconhecimento com alguém que antes nos parecia tão familiar e próximo aflora, ao ponto de nos questionarmos acerca de pessoas que nos eram íntimas e ao perdermos o contato direto, começarmos a duvidar se realmente não “congelamos” uma determinada identidade dessa pessoa em nossas mentes e se já não é tempo de parar de misturar as “lembranças que temos de alguém”, as “representações desse alguém” e “como esse alguém realmente é de fato”.
Afinal, como dizia Cazuza “o tempo não pára” e esse movimento nos possibilita um exercício diário de renovação em nossas atitudes e lembranças, motivando a des-re-construção de sentimentos relacionados a determinadas relações em família, de amizade, de trabalho. Sentimentos que começaram a ser esculpidos no passado, talvez estejam cristalizados no presente, mas que podem ganhar novos formatos no futuro e nos surpreender assim como as cerejeiras em flor.

sábado, 2 de maio de 2009

PARA NÃO DIZER QUE NAO FALEI DE...MÚSICA!

Confesso que o meu forte não é música, embora goste bastante. E, no momento em que o mundo vive um momento de medos e incertezas devido a crise econômica e ao surgimento da possível pandemia da influenza A ( H1N1), mais conhecida como “gripe suína”, nada melhor para relaxar do que ouvir uma boa música. Eis algumas sugestões de bandas, duos e cantores que estou ouvindo no momento. Espero que curtam.

TELEFON TEL AVIV- caminhou longe nos holofotes nestes dez anos de estrada, mesmo tendo surgido na explosão da música eletrônica enquanto produto pop no início dos anos 00. O último álbum do duo, surgido em Chicago e depois relocado para Nova Orleans, é sensacional Immolate Yourself. Confira em http://www.youtube.com/watch?v=GvK2Tk42xsM







GLASVEGAS - com sua cidade natal Glasgow no nome, o quarteto escocês Glasvegas lançou seu álbum de estréia em novembro de 2008.
Confira em http://www.youtube.com/watch?v=CMT418TyRiA








SIA- Seu nome é Sia Kate Isobelle Furler também conhecida como Sia, é uma cantora pop australiana. Suas obras mais famosas são as colaborações com o grupo inglês Zero 7 e seus três álbuns solo de estúdio. Confira em http://www.youtube.com/watch?v=U6PGrub3jUc





TÓKIO HOTEL - é uma banda de rock alemã composta por Bill kaulitz (vocalista) Tom kaulitz (guitarrista, irmão gémeo de Bill nascendo 10 minutos antes), Gustav Schäfer (baterista) e Georg Listing (baixista) .Os Tokio Hotel lançaram o seu 1° CD em 2005, em torno do seu sucesso repentino desde 2005 já ganharam 42 prêmios nacionais e internacionais em 3 anos e foram a primeira banda alemã a ser nomeada e ganhado um VMA ( Vídeo Music Alwards) nos Estados Unidos em 2008.Já venderam cerca de 6 milhões de discos e DVDs no mundo, 3 milhões somente na Alemanha. Confira em http://www.youtube.com/watch?v=j3aIBrGfVw0


HERCULES AND LOVE AFFAIR- Hercules tem uma ponta de estilos americanos, mas faz seu próprio som, assim como os bons artistas dessa nossa atual conjuntura pós-moderna. Indefinível em uma palavra apenas. Hercules é funk/soul/groove/disco/house. Ah, e hype também. Mas no fim das contas isso nem é tão importante assim para nossos ouvidos.
Confira em http://www.youtube.com/watch?v=p4x9XrMRjgQ




METRONOMY- É uma banda inglesa que em 2006, lançou o seu álbum de estréia, o irregular porém surpreendente Pip Paine. O Metronomy, projeto de Joseph Mount, tem sua gama de influências bem marcadas - você consegue ouvir um pouco de David Bowie, Devo, Talking Heads e Human League, no entanto, ela sempre passa pela grossa lente distorcida de Joseph e acaba saindo uma pequena obra com traços de tudo, mas com cara de Metronomy. Confira em

terça-feira, 21 de abril de 2009

UM CASO DE CONFIANÇA E O MEDO NA CIDADE: O SELF SERVICE, O ENGRAXATE E A ASSISTENTE SOCIAL

Antes falar diretamente sobre o assunto vamos ao significado ( retirado da wikipédia, é bom lembrar!!!) dos termos que compõem o subtítulo deste post:


Self service (em inglês: serviço próprio, ou de si) é uma manifestação do setor terciário. Descreve a prática que serviços de estabelecimentos não são prestados por empregados e sim efetuados ( em partes ou completo) pelos próprios clientes ou consumidores com a intenção de baixar custos ou alcançar uma melhor disponibilidade no mercado .






Engraxate- A tradição remete ao ano de 1806 o nascimento do ofício de engraxate, quando um operário poliu em sinal de respeito às botas de um general francês e foi recompensado com uma moeda de ouro por isto.
Durante a Segunda Guerra Mundial
apareceram os “sciusciàs”, garotos que para ganhar qualquer coisa lustravam as botas dos militares, além de terem cópias de jornais, goma de mascar e doces. Ao término da guerra desapareceram o sciusciàs e também os engraxates de Nápoles, no início dos anos cinqüenta eles eram apenas mil. Hoje em dia, caminhando pelas ruas napolitanas, ocasionalmente, pode-se encontrar algum. Após a imigração italiana aparece, por volta de 1877, na cidade de São Paulo, os primeiros engraxates. No início eram poucos, de 10 a 14 anos, todos italianos e percorriam as ruas, das 6 horas da manhã até a noite, com uma pequena caixa de madeira com suas latas, escovas e outros objetos.




Assistente Social - é o profissional graduado pela faculdade de Serviço Social que, privilegiando uma intervenção investigativa, através da pesquisa e análise da realidade social, atua na formulação, execução e avaliação de serviços, programas e políticas sociais que visam a preservação, defesa e ampliação dos direitos humanos e a justiça social. A diferença entre Assistência Social e Serviço Social foi pela primeira vez estabelecida no início do século 20, por Mary Richmond, uma assistente social norte-americana. Fazer Serviço Social implicava em trabalhar a personalidade das pessoas e o seu meio social e não apenas prestar uma ajuda material aos pobres. Assim, cabia ao assistente social determinar a história individual da formação da personalidade de seu cliente; estudar e investigar o meio social daquela pessoa, através de entrevistas, conversas informais, visitas domiciliares a amigos, professores, patrões etc. Observando, anotando e fazendo relatórios minuciosos, este profissional obteria um diagnóstico e tentaria descobrir uma forma de conseguir a ajuda do meio social para a sua causa. A isto, Mary Richmond denominou de compreensões: compreensão do meio social e compreensão da personalidade
Mas você, deve estar se perguntando como estes três termos podem estar relacionados, certo? Bem... a princípio não estão, mas após um relato de uma amiga minha, comecei a querer encaixa-los em minha mente como um quebra-cabeças ! E gostaria de compartilhar esse relato com vocês, pois me levou a mais uma refletixão acerca do momento que a sociedade brasileira está vivendo, principalmente a Cidade do Rio de Janeiro.

Embora eu seja uma pessoa que goste de refletir, de ler, de ir ao cinema e de tomar iogurte de graviola, tenho poucos amigos. Mais me orgulho de ter uma grande amiga chamada Dayse, que, além de gostar de jogar cartas pela internet, acreditar em Ganesha e de comer saladas e coisas integrais, também é assistente social. Andar com ela pelas ruas da Lapa é uma experiência interessante, pois sempre em nossas saídas ela é reconhecida por seus "ex-usuários", os quais muitas vezes, mesmo estando sujos, embriagados ou em condição de prisão semi-aberta, querem conversar ou simplesmente dar-lhe um abraço, o qual ela retribui carinhosamente.

Dayse tem 42 anos e um histórico de vida e de profissão invejávéis, o que daria tema para outro post. Mas, há exatamente dois dias atrás, fiquei ainda mais seu fã após um fato que ocorrera com ela em seu horário de almoço.


O que aconteceu foi o seguinte: enquanto ela estava almoçando em um restaurante self service, no bairro de Vila Isabel, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro, um jovem engraxate se aproximou dela, visto que o restaurante não era desses que os clientes ficam isolados da rua, e perguntou se ela poderia lhe pagar uma refeição, pois o mesmo trabalhara a manhã toda e estava faminto. Dayse, mesmo não sendo adepta do assistencialismo e sabendo que pegar uma refeição não iria mudar a condição de (não) existência deste jovem engraxate, disse-lhe:

- Claro que eu pago meu querido! Pegue um prato, sirva-se a vontade e sente-se aqui comigo.

O que poderia ser um fato simples acabou virando quase um caso de polícia!

Após pegar o prato com o objetivo de selecionar o seu alimento, o jovem não pôde continuar sua ação devido a intervenção da "Dona do estabelecimento", que, perplexa diante da presença do jovem disse-lhe grosseiramente:
- Aqui você não come! Se quiser faz um quentinha e come lá fora!

Após esse posicionamento da " Dona do restaurante", Dayse parou de comer sua tradicional salada e começou sua intervenção, não se posicionando como assistente social. Naquele momento ela se posicionou como uma pessoa que, indignada com o preconceito sofrido pelo jovem engraxate, não aceitou as condições impostas pela dona do self service. Ela disse a essa senhora que ela não poderia tratar ninguém assim, e que ela iria pagar pelo que jovem engraxate viesse a consumir em seu estabelecimento. Mesmo assim, a senhora foi irredutível e começou a tentar se justificar com argumentos do tipo: ele está com as mãos sujas, ela está sem camisa, etc...Minha amiga contra-argumentou dizendo que se estes fossem os "reais" problemas, o jovem em questão poderia lavar as mãos antes de se servir, ele poderia colocar sua camisa etc. Mas o que não poderia ocorrer era estes "fatos" serem obstáculos para que ele ali almoçasse. Mas de nada isso adiantou. A senhora continuou irreditível em seu posicionamento, dizendo que ele ali não comeria. Então Dayse disse a tal senhora que, mediante sua atitude "inflexível", simplesmente iria chamar a polícia pois o que ela estava fazendo não era correto, pois estava claro sua atitude de discrimição e preconceito para com o outro, o que fere, indiscutivelmente, nossa Constituição.

No meio desse desententimento entre as partes, uma funcionária do estabelecimento, sai de fininho e atravessa a rua em direção a um morro, muito famoso por sinal, que fica ali próximo. O jovem engraxate observando atento a tudo, e num primeiro momento se prontificando em esperar a presença da polícia, resolve em um gesto súbido, ir embora. Ele agradece à minha amiga sua atitude de solidariedade e se vai... Dayse ainda tenta convencê-lo em esperar pois ela iria realmente chamar os policiais. Mesmo assim ele prefere ir embora. Não é difícil compreender a atitude deste jovem. Afinal, ele deve morar pela vizinhança e sabe muito bem que a saída da funcionária do self service em direção ao morro tinha uma intenção, que era chamar representantes de um "outro poder", o que por sua vez acabou por intimidá-lo.

Minha amiga, percebeu que aquele episódio estava tomando proporções maiores e que também poderia estar correndo um risco ao chamar a polícia, pois ao acionar o poder policial poderia estar mexendo com esse "outro poder", o qual domina uma territorialidade bastante considerável da cidade do Rio de Janeiro e não vê com bons olhos a presença policial , pelo menos em relação as atividades de repressão.

Como não teria mais a vítima para testemunhar, visto que o jovem fora embora. Dayse disse a dona do restaurante que iria pessoalmente a delegacia dar queixa. Foi nesse momento que minha amiga percebera uma conversa ao celular bastante intrigante . Ou seja, a dona do estabelecimento estava descrevendo as características físicas de minha amiga para uma terceira pessoa. A partir daí algumas interrogações foram tomando conta de Dayse: com quem a dona do restaurante estava falando ao telefone? Por que ela estaria passando suas características físicas para alguém?
Com certeza, o interesse por parte da dona do restaurante em descrever as características fisicas de minha amiga para alguém não era para que essa pessoa jogasse cartas com Dayse pela internet ou pensasse em adicioná-la no Orkut ou no MSN.

Após rápidas reflexões consigo mesma acerca da situação em que se encontrava, um misto de racionalidade e emoção tomou conta de Dayse. Ela ficou literalmente em uma encruzilhada: ir para casa ou para a delegacia? Deveria tentar, mesmo que sozinha, contribuir para uma mudança de racionalidade preconceituosa ou se calar mediante ao medo que nos assombra ao mexermos com determinadas causas sociais que parecem sem solução? Tomar uma atitude ou se conformar com o status quo em que vivemos?

Bem... se Dayse foi movida pela razão ou pela emoção eu deixo para vocês pensarem, pois o final dessa história depende de todos nós, visto que, essa pequena história, pode ter finais diferentes dependendo da nossa consciência social. Afinal, em nossa sociedade, centenas de pessoas são excluídas diariamente. E nós? Na mesma situação em que se encontrara Dayse, que atitude tomaríamos?

Embora esse episódio retrate apenas um fato isolado, somado a tantos outros desagradáveis que assolam nosso cotidiano, eles nos ajudam a refletir sobre esse cenário sombrio que em não vi(vemos) e somos quase que obrigados escolher "pratos leves" em meio a esse grande self service de mazelas sociais, pois o preço a pagar com "pratos cheios" de atitudes que colocam em primeiro lugar o respeito ao ser humano pode sair muito caro logo de imediato. Mas o preço a pagar por "prato leves" também pode ser muito caro, mesmo indiretamente e a longo prazo, visto que nossa forma de encarar com naturalidade certos problemas sociais, não agindo, não nos percebendo enquanto sujeitos sociais, acaba nos tornando reféns de vários tipos de medo. Parece imperar sobre nós uma mixofilia, como nos aponta o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em seu mais recente livro " Confiança e medo na cidade", publicado aqui no Brasil pela Jorge Zahar.

Devemos pensar com responsabilidade na hora de escolher nosso "prato", não esquecendo de "pesá-lo" de acordo com nossa consciência social .

Talvez assim conseguiremos digerir melhor o que acontecendo em nossa volta e quem sabe, até transformá-la.

sábado, 27 de setembro de 2008

A SOPA DE FETO E A ANTROPOLOGIA

Entre as disciplinas que cursei na faculdade, posso afirmar que a antropologia cultural foi, em relação ao grupos das chamadas “disciplinas eletivas”, a que mais contribuiu para eu desconstruir alguns “pré-conceitos”(veja um vídeo bem interessante sobre o assunto aqui) . Confesso que talvez tenha tido sorte, pois tive uma excelente professora, a qual ainda lembro-me até hoje de suas aulas. Sendo assim, começamos o curso discutindo sobre o conceito de cultura, que é bastante complexo e possuiu uma série de interpretações.

De acordo com Roque de Barros Laraia em seu livro “Cultura, um conceito antropológico”( leia o livro por aqui ), o conceito de cultura pode ser definido como “a lente pela qual o homem vê o mundo”. Para mim essa definição foi bastante precisa e por sinal muito bem desenvolvida pela minha professora. Afinal, até hoje nunca esqueci essa simples e objetiva definição, e talvez se não tivesse ótimas aulas sobre antropologia cultural, teria tido outra interpretação da famosa sopa de feto chinesa, sobre a qual li em um post do blog de Gilberto Scofield Jr, um colunista do Jornal o Globo, que contribui de maneira bastante interessante com informações pouco divulgadas sobre a China aqui no Brasil.
Mesmo após ter lido Laraia e até hoje me lembrar das aulas de antropologia, confesso que nunca imaginei que alguns chineses tomassem sopa de feto para aumentar sua potência sexual. Parece mentira, né? Mas quem quiser se aprofundar no assunto, recomendo uma visita ao blog do Gilberto Scofield Jr. As fotos da macabra sopa de feto estão lá e são chocantes!


Uma das razões para a possibilidade de tal prática é o fato de que na China, a política do filho único é um forte "método anticoncepcional" para controlar o aumento de natalidade em um país que as estatísticas oficiais dizem possuir 1,3 bilhão de habitantes. Diferente do Brasil, lá o aborto é legalizado. Sendo assim, algumas mulheres, para pagar o próprio aborto vendem o feto para restaurantes especializados em produzir a “sopa de feto”, que custa 3.500 yuans ( US$ 515 ou R$ 955 aproximadamente) . É importante deixar claro que este fato, pelo que entendi é uma prática bastante regionalizada, ocorrendo mais precisamente no sul da china. Digo isso pois, pelo que li, os próprios estudantes chineses ficaram inconformados com tal prática e por um momento chegaram a não acreditar que isso pudesse ocorrer de fato.


De acordo com Scofield Jr, um estudante chamado Yu Miao, decidiu ir até a cidade de Foshan, em Guangdong, verificar até que ponto essa história era verdade. Pois o cara viajou até a cidade e conversou com moradores locais, que disseram que não apenas a história é verdade, como muita gente (na região e em Taiwan) toma a sopa de feto numa espécie de ritual macabro, escondidos da polícia.
Embora saber sobre essa “iguaria chinesa” tenha me deixado impactado, principalmente ao olhar as fotos da sua "preparação", lembrei-me automaticamente das minhas aulas de antropologia e comecei a refletir que, embora em um primeiro momento essa prática pareça algo bizarro e estranho, não podemos analisar um fato social que ocorre de modo isolado em um outro país ( neste caso em específico, de uma determinada cidade chinesa) sem entendê-lo pela lente cultural e não devemos caracterizar a prática como sendo "coisa de chinês".


Confesso que não é fácil trabalhar esse relativismo cultural, pois ficamos num limite muito tênue entre o respeito às diferenças culturais e a aceitação de práticas que desrespeitam os direitos humanos . Mas é um exercício necessário para não apenas criticar, julgando como certo ou errado determinada ação de um grupo social, mas buscar compreender o fenômeno que está por trás de determinada prática. Penso que esse é um dos grandes desafios das ciências sociais.


Procurando exercitar em mim o relativismo cultural algumas questões me perseguiram. Será que se não existisse o controle de natalidade na China, os restaurantes teriam a "matéria-prima" para elaborar tal sopa? Será que os pais agiriam da mesma forma caso a política do filho único acabasse? Será que realmente o controle de natalidade é o grande vilão? Será que uma boa dose de viagra não melhoraria a performance sexual desses chineses de paladar tão apurado?

Aqui no Brasil ( país no qual não existe o controle de natalidade, onde o aborto ainda é proibido por lei e as discussões sobre pesquisas com células-tronco embrionárias ainda sejam um tabu) nunca soube que fetos sejam comercializados clandestinamente. Porém, há pais que jogam seus recém-nascidos em lagoas, rios ou mesmo no lixo. Há também aqueles que embora não abandonem oficialmente seus filhos, não dão os devidos cuidados que uma criança realmente merece. Podemos dizer que esses acontecimentos, embora sejam esporádicos, também chocam a nossa sociedade, assim como a sopa de feto chocou alguns chineses. Talvez sejam estes os "ingredientes diferentes" que dão à nossa sopa um sabor mais suave que a sopa de feto chinesa e tenham feito com que eu, no primeiro momento, estranhasse o seu "paladar".

E aí? Qual sopa você prefere?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

DESCOBRI QUE MEU ALUNO É... VENDEDOR DE AIPIM!

De acordo com o dicionário, aipim é "uma planta da família das euforbiáceas, também conhecida como macacheira ou mandioca". Mas para um aluno meu do 6o ano, o aipim é muito além disso. Além de ajudá-lo no sustento da família, a venda deste tipo de euforbiácea é também uma pedra no seu sapato, ou para ser realista, no seu chinelo. Digo isto, pois alguns colegas da turma ficam zoando ele por ser um vendedor dessa planta, visto que na "comunidade" onde leciono outro "tipo de planta" é bem mais interessante para a troca comercial, embora também seja comercializada no "mercado informal". Mas vamos com calma... a fotossíntese é para todas!
Estava eu no meio de uma aula quando começara a briga entre esse meu "aluno empreendedor" ( ele se define como um pequeno comerciante, ok?) e um outro que estava há bastante tempo tirando sarro da sua cara por aquele ser camelô, digo, pequeno comerciante. Com toda a paciência que tenho, paro a explicação para separar a briga. Levo os dois para a sala dos professores para conversar pessoalmente com eles e saber o estopim de tal episódio. Conversa vai, conversa vem e um fica acusando o outro de ter começado primeiro. Disse-lhes que neste momento queria saber primeiro o que levou a tal acontecimento. Eis que...meu aluno empreendedor-camelô-pequeno comerciante disse com os olhos cheios de lágrimas "fessô... é que eu tô cansado dele ficar me zoando, dizendo que eu sou 'o paraíba' que vende aipim na praça".
Confesso que nunca imaginei que essa planta fosse gerar tamanha polêmica numa manhã de quarta-feira. Pensei em chamar o Carlos Minc, a Marina Silva e o Gabeira para darem uma palestra na escola. Mas como eles têm mais o que fazer, conversei eu mesmo com os dois. Disse para eles o que todo professor diria (bem...eu acho!): que não devemos brigar , que não devemos agredir fisicamente e/ou verbalmente ninguém etc. etc. etc. Após uma meia dúzias de "não devemos", perguntei para os dois com um olhar que mesclava Piaget com Pinochet : " E aí? vamos fazer as pazes ou vamos ter que levar isso para outras "instâncias"? Eles se entreolharam e resolveram que não iam mais brigar. Pelo menos foi o que aconteceu no restante da aula. Mas confesso que após esse episódio procurei investigar um pouco mais sobre a situação dos alunos da turma, pois estava apenas há duas semanas dando aulas para aquele 6o ano, que é tido como uma das piores turmas da escola.
Nesta pequena "investigação", dentre outras coisas, descobri que uma aluna de 13 anos está grávida ( o que já é tido como normal para a realidade local). Não que gravidez na adolescência não me chame àtenção, mas também descobri algo que me chamou muita, muita àtenção. Eu tenho um aluno que não tem sobrenome. Parece estranho, né? Mas é isso mesmo! Tenho um aluno que só tem o primeiro nome. Fiquei me imaginando nesta situação. Assinar apenas "Alex" na carteira de identidade, na carteira de habilitação etc. Nem sei de isso seria assinatura. E quando as pessoas pedissem para ou rubricar o meu nome? O que eu faria? Como rubricar apenas um único nome? Se eu fosse um militar qual seria meu nome de guerra? Caso escrevesse um livro como seria citado na bibliografia?
Bem... passado o momento "eu-me-ponho-no-seu-lugar", a grande questão é que o sobrenome é "apenas algo a mais" que esse aluno não têm, já que o mesmo também não tem pai e não tem mãe, sendo criado por uma senhora que se diz sua "avó". Bem.. o caso já foi encaminhado ao conselho tutelar do município ao qual eu trabalho e está em processo. Talvez meu aluno ganhe um sobrenome. E como no rap de Cidinho & Doca se torne mais um Silva e seja pai de família.
Ah! Ia esquecendo de dizer... meu aluno sem sobrenome é o mesmo que chamou aquele outro aluno de "paraíba que vende aipim", causando assim uma briga. Talvez uma das muitas "brigas" que ele e grande parte desta mesma turma terão que enfrentar para sobreviver. E o pior é saber disso.
Acho que nunca mais comerei aipim e assinarei o meu nome sem lembrar desses alunos!

COMEÇANDO POR AQUI...

Bem...acho que todos já ouviram falar que em nossa existência temos que fazer três coisas: plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho ( não sei se a ordem correta é esta, ok?). Como ainda não fiz nenhuma dessas três coisas "imprescindíveis" , resolvi sublimar minha angústia e fazer este blog. Talvez seria mais produtivo plantar um árvore...
Confesso que ainda não sei sobre o que eu vou escrever. Não quero criar um blog que fale de assuntos específicos, daí resolvi criar o "espaço múltiplo". Vou escrever sobre o que eu estiver vontade. Talvez fale sobre a experiência do meu último resfriado ou fale de assuntos mais complexos ( se é que um resfriado não seja complexo!) como educação ( não tem como não falar sobre, né?), política, economia, cultura e... chega! Não quero cair em contradição com o que disse a apenas duas linhas atrás. Conto com seus comentários eles serão importantes para eu repensar certas questões que me pertubam, as quais procurarei colocar aqui em debate.