quarta-feira, 24 de setembro de 2008

DESCOBRI QUE MEU ALUNO É... VENDEDOR DE AIPIM!

De acordo com o dicionário, aipim é "uma planta da família das euforbiáceas, também conhecida como macacheira ou mandioca". Mas para um aluno meu do 6o ano, o aipim é muito além disso. Além de ajudá-lo no sustento da família, a venda deste tipo de euforbiácea é também uma pedra no seu sapato, ou para ser realista, no seu chinelo. Digo isto, pois alguns colegas da turma ficam zoando ele por ser um vendedor dessa planta, visto que na "comunidade" onde leciono outro "tipo de planta" é bem mais interessante para a troca comercial, embora também seja comercializada no "mercado informal". Mas vamos com calma... a fotossíntese é para todas!
Estava eu no meio de uma aula quando começara a briga entre esse meu "aluno empreendedor" ( ele se define como um pequeno comerciante, ok?) e um outro que estava há bastante tempo tirando sarro da sua cara por aquele ser camelô, digo, pequeno comerciante. Com toda a paciência que tenho, paro a explicação para separar a briga. Levo os dois para a sala dos professores para conversar pessoalmente com eles e saber o estopim de tal episódio. Conversa vai, conversa vem e um fica acusando o outro de ter começado primeiro. Disse-lhes que neste momento queria saber primeiro o que levou a tal acontecimento. Eis que...meu aluno empreendedor-camelô-pequeno comerciante disse com os olhos cheios de lágrimas "fessô... é que eu tô cansado dele ficar me zoando, dizendo que eu sou 'o paraíba' que vende aipim na praça".
Confesso que nunca imaginei que essa planta fosse gerar tamanha polêmica numa manhã de quarta-feira. Pensei em chamar o Carlos Minc, a Marina Silva e o Gabeira para darem uma palestra na escola. Mas como eles têm mais o que fazer, conversei eu mesmo com os dois. Disse para eles o que todo professor diria (bem...eu acho!): que não devemos brigar , que não devemos agredir fisicamente e/ou verbalmente ninguém etc. etc. etc. Após uma meia dúzias de "não devemos", perguntei para os dois com um olhar que mesclava Piaget com Pinochet : " E aí? vamos fazer as pazes ou vamos ter que levar isso para outras "instâncias"? Eles se entreolharam e resolveram que não iam mais brigar. Pelo menos foi o que aconteceu no restante da aula. Mas confesso que após esse episódio procurei investigar um pouco mais sobre a situação dos alunos da turma, pois estava apenas há duas semanas dando aulas para aquele 6o ano, que é tido como uma das piores turmas da escola.
Nesta pequena "investigação", dentre outras coisas, descobri que uma aluna de 13 anos está grávida ( o que já é tido como normal para a realidade local). Não que gravidez na adolescência não me chame àtenção, mas também descobri algo que me chamou muita, muita àtenção. Eu tenho um aluno que não tem sobrenome. Parece estranho, né? Mas é isso mesmo! Tenho um aluno que só tem o primeiro nome. Fiquei me imaginando nesta situação. Assinar apenas "Alex" na carteira de identidade, na carteira de habilitação etc. Nem sei de isso seria assinatura. E quando as pessoas pedissem para ou rubricar o meu nome? O que eu faria? Como rubricar apenas um único nome? Se eu fosse um militar qual seria meu nome de guerra? Caso escrevesse um livro como seria citado na bibliografia?
Bem... passado o momento "eu-me-ponho-no-seu-lugar", a grande questão é que o sobrenome é "apenas algo a mais" que esse aluno não têm, já que o mesmo também não tem pai e não tem mãe, sendo criado por uma senhora que se diz sua "avó". Bem.. o caso já foi encaminhado ao conselho tutelar do município ao qual eu trabalho e está em processo. Talvez meu aluno ganhe um sobrenome. E como no rap de Cidinho & Doca se torne mais um Silva e seja pai de família.
Ah! Ia esquecendo de dizer... meu aluno sem sobrenome é o mesmo que chamou aquele outro aluno de "paraíba que vende aipim", causando assim uma briga. Talvez uma das muitas "brigas" que ele e grande parte desta mesma turma terão que enfrentar para sobreviver. E o pior é saber disso.
Acho que nunca mais comerei aipim e assinarei o meu nome sem lembrar desses alunos!

5 comentários:

Contabilitudo disse...

Primo, esse é o Brasil, que o Brasil não conhece.... Parabéns pela iniciativa de compartilhar essa experiência!

Claudia de Oliveira disse...

Alex, sua experiência me fez pensar, em que mundo vivemos ??? Um mundo em que um, não conhece a vida do outro e por consequência não respeitam as suas diferenças.
Apesar de todas as dificuldades e do futuro sombrio que parece nos perseguir...Surgem pessoas como você ( e tenho certeza que muitas outras, pois ainda acredito no Ser humano) que nos mostram que ainda existe uma esperança. Existe Luz no fim do túnel!!!!

CARLOS FERREIRA disse...

Confirmo o que a Claudia falou e ainda assino em baixo.

Visite o meu blog
www.oceanogeografico.blogspot.com

Unknown disse...

Meu caro amigo, Com certeza essa é apenas uma das várias situações que você ou melhor, nós que trabalhamos com uma parcela da população excluída iremos enfrentar, afinal esse Brasil de vários Brasis,Brasil "de Marias e clarisses"insiste em ignorar essa situação de mazela social que vivenciamos em nosso dia a dia. Mas com certeza,reflexões e ações como essas que para alguns significa o mínimo, para muitos significa o máximo,já que pequenas ações de poucos, podem significar uma grande transformação da realidade de muitos.

pibidgegrafiaufrrj@gmail.com disse...

Sem comentários.....Sua experienciência é Fantástica e assustadora. A idéia de vender aipim ou outra coisa é comum nos espaços populares....Mas viver sem nome? Sobrenome? Sabemos que antigamente o sobrenome representava mais que a família, designava uma "força", um totem, uma marca de sua origem e de seus antepassados.....

Concerteza o menina vai ganhar um sobrenome dado pelo conselho tutelar, talvez, o sobrenome desse menino seja Brasil....