sábado, 27 de setembro de 2008

A SOPA DE FETO E A ANTROPOLOGIA

Entre as disciplinas que cursei na faculdade, posso afirmar que a antropologia cultural foi, em relação ao grupos das chamadas “disciplinas eletivas”, a que mais contribuiu para eu desconstruir alguns “pré-conceitos”(veja um vídeo bem interessante sobre o assunto aqui) . Confesso que talvez tenha tido sorte, pois tive uma excelente professora, a qual ainda lembro-me até hoje de suas aulas. Sendo assim, começamos o curso discutindo sobre o conceito de cultura, que é bastante complexo e possuiu uma série de interpretações.

De acordo com Roque de Barros Laraia em seu livro “Cultura, um conceito antropológico”( leia o livro por aqui ), o conceito de cultura pode ser definido como “a lente pela qual o homem vê o mundo”. Para mim essa definição foi bastante precisa e por sinal muito bem desenvolvida pela minha professora. Afinal, até hoje nunca esqueci essa simples e objetiva definição, e talvez se não tivesse ótimas aulas sobre antropologia cultural, teria tido outra interpretação da famosa sopa de feto chinesa, sobre a qual li em um post do blog de Gilberto Scofield Jr, um colunista do Jornal o Globo, que contribui de maneira bastante interessante com informações pouco divulgadas sobre a China aqui no Brasil.
Mesmo após ter lido Laraia e até hoje me lembrar das aulas de antropologia, confesso que nunca imaginei que alguns chineses tomassem sopa de feto para aumentar sua potência sexual. Parece mentira, né? Mas quem quiser se aprofundar no assunto, recomendo uma visita ao blog do Gilberto Scofield Jr. As fotos da macabra sopa de feto estão lá e são chocantes!


Uma das razões para a possibilidade de tal prática é o fato de que na China, a política do filho único é um forte "método anticoncepcional" para controlar o aumento de natalidade em um país que as estatísticas oficiais dizem possuir 1,3 bilhão de habitantes. Diferente do Brasil, lá o aborto é legalizado. Sendo assim, algumas mulheres, para pagar o próprio aborto vendem o feto para restaurantes especializados em produzir a “sopa de feto”, que custa 3.500 yuans ( US$ 515 ou R$ 955 aproximadamente) . É importante deixar claro que este fato, pelo que entendi é uma prática bastante regionalizada, ocorrendo mais precisamente no sul da china. Digo isso pois, pelo que li, os próprios estudantes chineses ficaram inconformados com tal prática e por um momento chegaram a não acreditar que isso pudesse ocorrer de fato.


De acordo com Scofield Jr, um estudante chamado Yu Miao, decidiu ir até a cidade de Foshan, em Guangdong, verificar até que ponto essa história era verdade. Pois o cara viajou até a cidade e conversou com moradores locais, que disseram que não apenas a história é verdade, como muita gente (na região e em Taiwan) toma a sopa de feto numa espécie de ritual macabro, escondidos da polícia.
Embora saber sobre essa “iguaria chinesa” tenha me deixado impactado, principalmente ao olhar as fotos da sua "preparação", lembrei-me automaticamente das minhas aulas de antropologia e comecei a refletir que, embora em um primeiro momento essa prática pareça algo bizarro e estranho, não podemos analisar um fato social que ocorre de modo isolado em um outro país ( neste caso em específico, de uma determinada cidade chinesa) sem entendê-lo pela lente cultural e não devemos caracterizar a prática como sendo "coisa de chinês".


Confesso que não é fácil trabalhar esse relativismo cultural, pois ficamos num limite muito tênue entre o respeito às diferenças culturais e a aceitação de práticas que desrespeitam os direitos humanos . Mas é um exercício necessário para não apenas criticar, julgando como certo ou errado determinada ação de um grupo social, mas buscar compreender o fenômeno que está por trás de determinada prática. Penso que esse é um dos grandes desafios das ciências sociais.


Procurando exercitar em mim o relativismo cultural algumas questões me perseguiram. Será que se não existisse o controle de natalidade na China, os restaurantes teriam a "matéria-prima" para elaborar tal sopa? Será que os pais agiriam da mesma forma caso a política do filho único acabasse? Será que realmente o controle de natalidade é o grande vilão? Será que uma boa dose de viagra não melhoraria a performance sexual desses chineses de paladar tão apurado?

Aqui no Brasil ( país no qual não existe o controle de natalidade, onde o aborto ainda é proibido por lei e as discussões sobre pesquisas com células-tronco embrionárias ainda sejam um tabu) nunca soube que fetos sejam comercializados clandestinamente. Porém, há pais que jogam seus recém-nascidos em lagoas, rios ou mesmo no lixo. Há também aqueles que embora não abandonem oficialmente seus filhos, não dão os devidos cuidados que uma criança realmente merece. Podemos dizer que esses acontecimentos, embora sejam esporádicos, também chocam a nossa sociedade, assim como a sopa de feto chocou alguns chineses. Talvez sejam estes os "ingredientes diferentes" que dão à nossa sopa um sabor mais suave que a sopa de feto chinesa e tenham feito com que eu, no primeiro momento, estranhasse o seu "paladar".

E aí? Qual sopa você prefere?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

DESCOBRI QUE MEU ALUNO É... VENDEDOR DE AIPIM!

De acordo com o dicionário, aipim é "uma planta da família das euforbiáceas, também conhecida como macacheira ou mandioca". Mas para um aluno meu do 6o ano, o aipim é muito além disso. Além de ajudá-lo no sustento da família, a venda deste tipo de euforbiácea é também uma pedra no seu sapato, ou para ser realista, no seu chinelo. Digo isto, pois alguns colegas da turma ficam zoando ele por ser um vendedor dessa planta, visto que na "comunidade" onde leciono outro "tipo de planta" é bem mais interessante para a troca comercial, embora também seja comercializada no "mercado informal". Mas vamos com calma... a fotossíntese é para todas!
Estava eu no meio de uma aula quando começara a briga entre esse meu "aluno empreendedor" ( ele se define como um pequeno comerciante, ok?) e um outro que estava há bastante tempo tirando sarro da sua cara por aquele ser camelô, digo, pequeno comerciante. Com toda a paciência que tenho, paro a explicação para separar a briga. Levo os dois para a sala dos professores para conversar pessoalmente com eles e saber o estopim de tal episódio. Conversa vai, conversa vem e um fica acusando o outro de ter começado primeiro. Disse-lhes que neste momento queria saber primeiro o que levou a tal acontecimento. Eis que...meu aluno empreendedor-camelô-pequeno comerciante disse com os olhos cheios de lágrimas "fessô... é que eu tô cansado dele ficar me zoando, dizendo que eu sou 'o paraíba' que vende aipim na praça".
Confesso que nunca imaginei que essa planta fosse gerar tamanha polêmica numa manhã de quarta-feira. Pensei em chamar o Carlos Minc, a Marina Silva e o Gabeira para darem uma palestra na escola. Mas como eles têm mais o que fazer, conversei eu mesmo com os dois. Disse para eles o que todo professor diria (bem...eu acho!): que não devemos brigar , que não devemos agredir fisicamente e/ou verbalmente ninguém etc. etc. etc. Após uma meia dúzias de "não devemos", perguntei para os dois com um olhar que mesclava Piaget com Pinochet : " E aí? vamos fazer as pazes ou vamos ter que levar isso para outras "instâncias"? Eles se entreolharam e resolveram que não iam mais brigar. Pelo menos foi o que aconteceu no restante da aula. Mas confesso que após esse episódio procurei investigar um pouco mais sobre a situação dos alunos da turma, pois estava apenas há duas semanas dando aulas para aquele 6o ano, que é tido como uma das piores turmas da escola.
Nesta pequena "investigação", dentre outras coisas, descobri que uma aluna de 13 anos está grávida ( o que já é tido como normal para a realidade local). Não que gravidez na adolescência não me chame àtenção, mas também descobri algo que me chamou muita, muita àtenção. Eu tenho um aluno que não tem sobrenome. Parece estranho, né? Mas é isso mesmo! Tenho um aluno que só tem o primeiro nome. Fiquei me imaginando nesta situação. Assinar apenas "Alex" na carteira de identidade, na carteira de habilitação etc. Nem sei de isso seria assinatura. E quando as pessoas pedissem para ou rubricar o meu nome? O que eu faria? Como rubricar apenas um único nome? Se eu fosse um militar qual seria meu nome de guerra? Caso escrevesse um livro como seria citado na bibliografia?
Bem... passado o momento "eu-me-ponho-no-seu-lugar", a grande questão é que o sobrenome é "apenas algo a mais" que esse aluno não têm, já que o mesmo também não tem pai e não tem mãe, sendo criado por uma senhora que se diz sua "avó". Bem.. o caso já foi encaminhado ao conselho tutelar do município ao qual eu trabalho e está em processo. Talvez meu aluno ganhe um sobrenome. E como no rap de Cidinho & Doca se torne mais um Silva e seja pai de família.
Ah! Ia esquecendo de dizer... meu aluno sem sobrenome é o mesmo que chamou aquele outro aluno de "paraíba que vende aipim", causando assim uma briga. Talvez uma das muitas "brigas" que ele e grande parte desta mesma turma terão que enfrentar para sobreviver. E o pior é saber disso.
Acho que nunca mais comerei aipim e assinarei o meu nome sem lembrar desses alunos!

COMEÇANDO POR AQUI...

Bem...acho que todos já ouviram falar que em nossa existência temos que fazer três coisas: plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho ( não sei se a ordem correta é esta, ok?). Como ainda não fiz nenhuma dessas três coisas "imprescindíveis" , resolvi sublimar minha angústia e fazer este blog. Talvez seria mais produtivo plantar um árvore...
Confesso que ainda não sei sobre o que eu vou escrever. Não quero criar um blog que fale de assuntos específicos, daí resolvi criar o "espaço múltiplo". Vou escrever sobre o que eu estiver vontade. Talvez fale sobre a experiência do meu último resfriado ou fale de assuntos mais complexos ( se é que um resfriado não seja complexo!) como educação ( não tem como não falar sobre, né?), política, economia, cultura e... chega! Não quero cair em contradição com o que disse a apenas duas linhas atrás. Conto com seus comentários eles serão importantes para eu repensar certas questões que me pertubam, as quais procurarei colocar aqui em debate.